terça-feira, 6 de julho de 2010

O futebol brasileiro precisa voltar no tempo

Desde Charles Miller até Káká, e lá se vão 116 anos, o Brasil sempre chamou a atenção pelo futebol com jogadas, dribles, chutes e gols de rara beleza. Nem sempre foram as vitórias as maiores façanhas dos times brasileiros, mas acima de tudo a plástica do jogo com a bola. Nós inventamos este jeito encantador de jogar com as mesmas regras criadas na Europa. Mas nos últimos 40 anos começamos a exportar nossa magia e ao mesmo tempo passamos a importar o modelo tosco dos europeus. Hoje, é a Alemanha que joga por música e nós desafinamos nossa orquestra de craques. Precisamos voltar no tempo para melhorar no futuro.
Leônidas da Silva inventou a bicicleta (foto) e Didi criou o chute em que a bola imitava o movimento em curva de uma "folha seca". Pelé estreou na Copa de 1958 com um gol incrível contra País de Gales, no qual dá um chapéu no zagueiro e antes de deixar a bola aterrissar no gramado, mandou para as redes. Garrincha driblou muita gente em duas Copas e ao longo da carreira de forma espetacular. E. com o passar do tempo, fomos apresentando cada vez mais jogadores com uma infinidade de recursos., sempre com plástica. Os gols de falta ou chutes de fora da área de Nelinho, Éder e Rivelino foram belíssimos. Há ainda outros grandes chutadores como Marcelinho Carioca, Neto, Branco e Ronaldinho Gaúcho. Difícil enumerar todos os grandes craques como Zico, Falcão, Júnior, Romário, Ronaldo, Reinaldo e tantos outros que cada torcedor brasileiro viu e se encantou. Hoje a safra já não é tão doce, graças ao amargo sabor do futebol tipo exportação.
Até o final dos anos 80 e ainda em boa parte da década de 90, havia muitos craques no Campeonato Brasileiro. Atualmente, a maioria dos jogadores do Brasileirão tem o nível da segunda divisão européia ou de times da Rússia, Ucrânia, do mundo árabe, México ou Japão. Poucos conseguem jogar o campeonato italiano, inglês e espanhol em times de primeira linha. Os craques sim. Com 20 anos ou até menos vão para os gigantes clubes da Europa como Barcelona, Real Madrid, Manchester United, Inter de Milão. Alguns como Robinho e Adriano vão e voltam. São raros aqueles que obtém sucesso. Posso citar várias gerações Falcão na Roma, Romário no PSV e principalmente no Barcelona, Ronaldo idem, Ronaldinho Gaúcho também no Paris Saint Germain e Barça. O Kaká no Milan e não mais no Real Madrid. A pior consequencia deste mercado é a fragilização do nosso campeonato nacional e a perda da nossa característica de jogo por parte dos craques que saem do País.
O Sávio que hoje está no Avaí saiu do Flamengo para o Real Madrid em 1998, ano em que perdemos a Copa do Mundo para a França. Apesar de ter conquistado vários títulos na equipe merengue, sofreu com as duras faltas e, por lesão, nunca se firmou no time espanhol. Alexandre Pato quando surgiu no Internacional era um gênio, rápido, ágil, franzino, mas forte e goleador. Assim que foi para o Milan logo se machucou, ganhou massa muscular nem foi para a Copa da África do Sul porque não se afirmou. Pode ter dado lugar a Grafite, um eficiente atacante mas que não tem nem a metade do talento do Pato.
Em contrapartida a este desperdício de talentos, o Brasil começa a adotar esquemas defensivos, cheios de volantes e de forte marcação em nome do resultado. Aí qualquer time que revele um ou dois destes craques ou traga de volta alguns do que não emplacam mais na Europa, com defesa sólida e um pouco de habilidade atropela as demais equipes. Como nos últimos anos, poucos times conseguem fazer investimentos gigantescos como fez o Corinthians em 2005 para ser Campeão Brasileiro graças a aventura com o iraniano Kia Joorabchian, como faz a boa gestão do São Paulo e segue numa linha semelhante o Internacional, sobram dois ou três grandes times por temporada e os demais todos muito parecidos. Não é por acaso que na Copa do Brasil surge um time surpresa e no brasileiro também, batendo nos de maior torcida. O nosso futebol está nivelado por baixo. Sem falar que no primeiro semestre, os times jogam os estaduais com gramados esburacados e jogadores de nível ainda pior.
O que fez a Alemanha. Não apenas renovou a seleção com a base olímpica, sub-20. Valorizou o campeonato alemão e formou uma seleção de jogadores que jogam na Alemanha, não no exterior. Mais que isso. Globalizou o estilo de jogo com jogadores descendentes de poloneses, africanos, turco, e tem até um brasileiro no elenco que está na Copa do Mundo: o Cacau. Fez o contrário do que há anos estamos fazendo com o nosso futebol. Nosso último título mundial foi incontestável, mas ainda tínhamos três craques de primeira linha: Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo. Felipão até abriu mão de Romário por uma questão disciplinar e Ronaldinho se recuperou bem da cirurgia do joelho. Mas desde 1982, estamos perdendo terreno para o futebol europeu, coisa que também acontece com a Argentina e pior com o Uruguai, fraco economicamente.
Nem sempre vamos ter a sorte de contar com três estrelas brasileiras na Europa brilhando por lá e na Seleção. É muito importante fortalecer o campeonato brasileiro convocando uma seleção brasileira com jogadores que atuam no Brasil, que sejam jovens e que vão jogar a próxima Copa em casa. Nada de montar uma legião de estrangeiros. Do que vi nesta Copa, só teria o Maicon e o Júlio César no time brasileiro. O Kaká só iria em boas condições físicas, não era o mesmo jogador. Qual o problema de entrosar um time com Victor, Léo Moura, Miranda, Leonardo Silva e Junior César; Sandro, Elias, Hernanes e Ganso; Neymar e Fred? Todos jogam no Brasil.
A mudança não precisa ser radical, mas é importante repensar como os italianos estão repensando o futebol deles, os alemães se reestruturaram. Não dá mais para ganhar de 2 a 1 da Coréia do Norte e acreditar que era possível ficar entre os quatro melhores da Copa do Mundo de 2010. Se o Brasil queria Neymar e Ganso, porque não? Não foram Pelé e Garrincha que mudaram a Seleção em 58 para ganharmos o primeiro título mundial? Talvez a história não nos dê nunca mais um Pelé e um Garrincha, mas não vamos por isso se iludir com Michel Bastos e Felipe Mello porque jogam na Europa. Charles Miller só trouxe a bola de lá, o futebol a gente inventa por aqui mesmo, e do nosso jeito.

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