domingo, 11 de outubro de 2009

La Paz poderia ser La Luna


Foi uma das experiências mais estranhas que tive em minha vida em 1997, quando desci em La Paz na Bolívia para cobrir a decisão da Copa América daquele ano entre Brasil e Bolívia. Primeiro porque o avião não desceu, ele estacionou como numa garagem quase à mesma altura das nuvens no aeroporto. Logo que saí do aparelho uma sensação estranha, o ar pesado, parecia que o oxigênio não era oxigênio. Logo acostuma, mas é estranho. Não fui eu, alguém disse e concordei: Isso aqui parece a lua! Nunca estive na lua, a não ser no mundo da lua. Mas que parecia, parecia. Havia crateras, um clima seco, árido, monocromático. Depois, vieram os prédios, as ruas, os carros e o estádio Hernando Siles, tudo muito colorido.
Assim que o ônibus desceu dos 4100 metros de altitude para os 3600 do aeroporto o cenário me chamou a atenção. Não via vegetação, apenas um terreno arenoso cor de argila clara, aquele barro meio cor de café com leite. Muita gente a pé, mulheres com crianças às costas e casas a quilômetros de distância sem ruas para carros, com acesso somente a pé. Nunca vou esquecer a imagem do estádio lotado e a torcida gritando Bo-Li-Via. Cada fatia da arquibancada correspondia um terço. E a cada sílada, tambores soavam no mesmo local. Foi a primeira torcida estereofônica que ouvi. Era um coro com uma sequência cada vez mais rápida. Bo.....Li.....Via, depois Bo..Li..Via e aí Bo-Lí-Via e Tum, Tum, Tum acompanhando.
Nos bares, refri e cerveja long neck CBN, as mesmas inicias da rádio que representava como repórter ao lado do narrador Salles Jr. Era a CBN Diário 740 de Florianópolis. Foi a primeira transmissão internacional da emissora, antiga Diário. Na verdade as letras significavam Companhia Boliviana de Cerveja. Muito boa, por sinal. Os lanches chamavam a atenção. Havia uma espécie de assado suíno que era descascado de uma forma bem primitiva - superou o nosso churrasquinho de gato. Aquilo ia num pão, com catchup, mostarda e outros condimentos, fora a prensa na mão do cara que tinha a unha negra. Não era tinta, era suja mesmo. Nestas horas, o jeito era almoçar Coca-Cola e chocolate, tudo industrial.
Mas não me arrependo de ter tomado chá de mate de coca. Foi o que me deixou mais disposto para encarar a altitude e que me deu pique para invadir o gramado ao final do jogo e ser o primeiro repórter de rádio do Brasil a ouvir os jogadores no campo após vitória de 3 a 1. Tive sorte aquele dia. E por pouco não tomei um soco do atacante Echeverry que fechou o punho quando perguntei sobre a derrota. Mas a Bolívia tem um povo acolhedor que nos recebeu muito bem em Santa Cruz de la Sierra. Pena que as fotos que tenho são todas impressas e não tenho um scanner para digitaliza-las agora. É lá que hoje o Brasil enfrenta a Bolívia pelas Eliminatórias. La altitud é sempre um obstáculo. Acabei tomando uma dose de oxigênio no aeroporto na volta. A melhor coisa que pode existir é poder respirar depois de tanta falta de ar. Entendi os asmáticos, que sensação desagradável. O Brasil precisa correr a bola, gritar o mínimo possível. Dunga sabe bem, pois foi ele o mestre daquele jogo. Comandou o time por mímica, apontando para um lado e para o outro, sem gritar. Quem sabe hoje ele grita à vontade do banco porque não precisará correr. Vamos ver Nilmar e o Adriano voando na Lua! Quero dizer: em La Paz.

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